A vertigem de Nelson Rodrigues
Nei Charão
Os Sete Gatinhos, escrita em 1958 por Nelson Rodrigues, talvez
seja sua narrativa mais didática para discursar contra a hipocrisia social e
relacional familiar, num país que, do ponto de vista das perspectivas teóricas
sobre família, ainda padece por não compreender sua arqueologia simbólica,
muito provavelmente por seguir em busca de um “modelo”.
O diretor Helquer Paez e a Cia Retalhos de Teatro (Santa
Maria) investiram em uma montagem que, em primeiro lugar, produz uma quebra
histórica na cenografia das montagens dos textos de Nelson Rodrigues. O objeto
central (uma mesa...) assume múltiplas formas de utilização que vão do óbvio a
figuras estéticas que produzem extrema mobilidade, contribuindo e auxiliando na
condução emocional da cena até o momento que antecede o ápice, servindo
inclusive para acomodar adereços e figurinos. Fazia muito tempo que não tinha o
prazer de assistir a uma proposta cenográfica que oferecesse tamanho
envolvimento e funcionalidade à cena. Parabéns!
Helquer Paez é daqueles diretores que agradam justamente por
em seu processo criativo não abrir mão das sugestões que o autor propõe para
condução da obra. Essa atitude artística ilumina a sua tarefa como encenador
justamente por conseguir, desta forma, apresentar seus trabalhos com extremo
vigor, produzindo sua própria estética sem pirotecnias, metamorfoses ou rasgos
intelectuais, mantendo a visão do autor. Parece-me que uma das balizas
criativas deste diretor seja a sua generosidade e empatia com o argumento (texto
a ser encenado) – é uma marca de seu trabalho.
O elenco, oriundo da UFSM e sua escola dramática, conduz a
cena no ritmo vertiginoso que caracteriza o texto de Nelson Rodrigues, seu contorno
diletante sobre um Brasil que teima em buscar “soluções” para os seus
paradigmas sociais a partir de uma aparente violência temática. Percebe-se um
grupo de atores dispostos a uma construção da personagem, do que chamo de
identificação entre seus pares. Muito possivelmente, seja esta uma das funções
da assistência de direção, conduzida por Alexia Karla da Silva.
A cena que mostra a virgindade como único meio de redenção e
de ascensão moral e social fica estabelecida com a providencia e a força corporal
deste elenco, sem sobressaltos interpretativos, equilibrada por uma sagacidade
desconcertante.Nem mesma Noronha (Julio Cesar Pires Aranda), o patriarca,
que oprime e submete as mulheres de sua família a condições de degradação, tem
maior presença ou validade na condução da personagem, embora eu tenha ficado
absorvido por sua “riqueza” e nuances que os grandes atores carregam consigo.
Minha homenagem a todo elenco, direção e equipe técnica.
Assisti em Os Sete Gatinhos ao que sempre desejo das minhas
montagens: o cuidado milimétrico com a performance, entregando ao outro a única
sequência possível para um resultado impecável da cena. Viva Os Sete Gatinhos
da Cia. Retalhos de Teatro de Santa Maria, por trazer à cena teatral do nosso
Estado tamanha qualidade e volume cênico.
Crédito da foto: Giuliano Bueno