segunda-feira, 10 de dezembro de 2018


Aventura para todos os públicos

Cristiano Goldschmidt

Quando um espetáculo infantil não consegue agradar às crianças, dificilmente agrada ao público adulto, quando conquista as crianças, nem sempre atrai a atenção dos adultos, e quando cativa a ambos, é porque há ali um trabalho dedicado e cuidadoso com o conjunto de todos os elementos que compõem uma montagem cênica. 

Junho: uma aventura imaginária (apresentado na tarde de ontem no Teatro Carlos Carvalho dentro da programação do 3º Festival Estadual de Teatro do Rio Grande do Sul – FESTE), do Coletivo Nômade, de Gravataí (RS), é dessas encenações produzidas para encantar públicos de todas as idades. Thiago Silva, que assina o texto e a direção, entrega ao espectador um espetáculo que desde a primeira cena nos convida a embarcar na história do menino Junho (Jardel Rocha) e da família Frank. Aventura, fantasia, curiosidade e descoberta estão presentes do início ao fim, prendendo a atenção do público infantil, que constantemente reage aos acontecimentos e com eles interage, respondendo aos desdobramentos da cena. 

Com o objetivo de protegê-lo do mundo exterior e de uma possível maldição, Junho Frank é um menino que vive enclausurado no castelo de sua família. Sob os extremos cuidados da mãe, Judith Frank (Alessandra Bier), e da tia, Morgana Frank (Jennifer Ribeiro), o garoto dedica seus dias à leitura de livros, e sua curiosidade com o mundo faz com que ele apenas possa imaginar as cores e as texturas da natureza e da vida existentes para além dos muros que o protegem.

Dentre tantos acertos, um dos méritos da montagem é o incentivo à leitura. Junho adora ler, sonha em poder viajar e “visitar bibliotecas incríveis e cheias de mistérios”. Com a entrada do seu tio Cosme (Roger Santos) em cena, que retorna de uma viagem, Junho vive grandes aventuras. Contra a vontade de Judith e Morgana, Cosme dá de presente ao sobrinho um livro misterioso que conta a história da família Frank ao longo dos séculos. Mas, o que esconde o livro da família Frank? Cheio de enigmas, é na leitura deste livro que Junho encontra suas próprias origens, descobrindo em suas páginas a história da maldição da família.  

As aventuras se intensificam quando Jazz (Ana Carolina de David) e Maya (Hayline Vitória) entram no castelo da família Frank através de uma passagem secreta. Com as novas amigas, Junho descobre o mundo para além das fronteiras do castelo. Viajando no tempo, ele encontra sua mãe num passado distante, quando ela tinha a idade que ele tem no presente, e o clima de suspense toma conta de todos quando Jazz, Maya, Junho e Judith são capturados por Antenor (Roger Santos) e Teobaldo (Leonardo Steffanello). Aliás, se existe um equilíbrio entre a atuação de todos, destaco o trabalho de Roger Santos, que certamente ainda nos presenteará com atuações que lhe renderão muitos convites e críticas positivas. E aqui é importante dizer que o elenco é formado por excelentes atores e atrizes que, ao que tudo indica, já possuem uma trajetória e estão acostumados com os palcos.

Mesmo que seja uma peça infantil, há algumas mensagens endereçadas e entendidas exclusivamente pelo público adulto. Com bom humor, incluem críticas ao momento histórico atual de nosso país. Se a história de Junho nos mostra, entre outras coisas, que os livros nos ajudam a entender o passado para, se necessário, mudarmos o futuro, Antenor e Teobaldo também estão ali para nos mostrar que os livros são sempre uma ameaça aos que tem algo a temer. 

Se o texto é bom e as atuações sempre imprescindíveis para o sucesso de qualquer montagem, não restam dúvidas de que o cuidado e o profissionalismo dispensados ao figurino (de Jardel Rocha), à maquiagem e à caracterização (de Jardel Rocha e Jennifer Ribeiro), à trilha sonora (de Régis Moewius e Handyer Borba), à iluminação (de Ariel Medeiros), à cenografia e aos acessórios (de Roger Santos) também contribuem para que Junho: uma aventura imaginária arrebate os espectadores, ganhando-os do início ao fim do espetáculo.

Crédito da foto: Giuliano Bueno






Enfim, uma aventura com imaginação

Camilo de Lélis


O espetáculo infantil Junho: uma aventura imaginária, do Coletivo Nômade de Teatro e Pesquisa Cênica, de Gravataí, faz lembrar antigas histórias de aventuras, com castelos habitados por seres misteriosos, como o exemplar O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde. No teatro, um clássico inesquecível foi Pluft, o Fantasminha, de Maria Clara Machado. Em outros tempos, havia a preocupação de contar uma história com enredo e personagens interessantes. Muito se perdeu, nesse sentido, no teatro infantil, pois frequentemente encontramos espetáculos que não valorizam a inteligência das crianças, nem a sua capacidade de imaginação.  Felizmente reencontramos essas boas qualidades na peça teatral Junho: uma aventura imaginária, escrita e dirigida por Thiago Silva.

O enredo apresenta uma família diferente das demais – a Família Frank –, que sofre discriminação por parte dos habitantes do lugar onde residem e, por isso, se isola no castelo da matriarca Morgana (Jennifer Ribeiro), a tia-avó de Junho. Junho Frank (Jardel Rocha) é um menino que gosta de brincar, porém não pode sair do castelo e conviver com outras crianças. Um dia seu tio lhe traz de presente um livro muito especial, que vai revelar ao menino o segredo da maldição que paira sobre o castelo. A partir desse livro, Junho começa a decifrar os mistérios que envolvem a sua família. Com os poderes do conhecimento adquirido nessa leitura, Junho inicia sua aventura imaginária. Ele faz uma viagem no tempo e encontra um grupo de meninas, entre elas a sua mãe, Judith (Alessandra Bier), quando criança. Esse encontro me pareceu um dos episódios mais interessantes da peça, despertando reações de espanto e gargalhadas na plateia infantil. Em companhia de sua futura mãe e de suas duas novas amigas, Jazz (Ana Caroline de David) e Maya (Hayline Vitória), Junho vai enfrentar o vilão Antenor (Roger Santos ) e seu fiel ajudante Teobaldo (Leonardo Steffanello). Antenor é o responsável pela difamação e perseguição da Família Frank. Ele quer sequestrar Judith para forçar toda a família a ir embora do lugar. As crianças conseguem prender o vilão e fazer com que Teobaldo se arrependa e se torne livre do jugo do patrão. Com essas peripécias, Junho modifica o seu passado, refaz a sua história e volta ao presente para viver feliz com a sua família.

A família Frank está muito bem caracterizada, tendo uma maquiagem expressionista com detalhes de cílios postiços em apenas um dos olhos dos atores, o que realça a estranheza dos personagens. Os vilões da história também estão nesse diapasão. Embora com diferenças no vestuário, o visual deles está no universo expressionista, porém com detalhes menos fantásticos que os da Família Frank. As duas meninas que Junho encontra em sua aventura imaginária têm figurinos simples, de crianças de nossos dias, o que ajuda a evidenciar o contraste entre os personagens realistas e os fantásticos. A cenografia de Roger Santos é eficiente para representar o ambiente do castelo, com entradas e saídas, que facilitam as perseguições, correrias e esconderijos das crianças. Os belos acessórios: baú, livros antigos, etc. são também criação de Roger. A trilha sonora original de Régis Moewius e Handyer Borba é inspirada e criativa, realçando os climas de ação e mistério peça.

Coletivo Nômade de Teatro e Pesquisa Cênica de Gravataí está de parabéns pela qualidade de seu trabalho, que demonstra preocupação em levar para as crianças temas atuais, como o bullying, discriminação das diferenças e principalmente o estímulo a imaginação e ao conhecimento que pode ser encontrado e adquirido por meio do hábito da leitura.

Crédito da foto: Giuliano Bueno








Leia abaixo referências sobre os sete jurados que participaram da ação Feste Crítica 2018. Cada espetáculo do 3º Festival Estadual de Teatro do Rio Grande do Sul recebeu três comentários – confira nas postagens. E clique para assistir ao vídeo de Giuliano Bueno com um panorama dos quatro dias de festival.

CAMILO DE LÉLIS. Diretor de teatro, ensaísta, ator, poeta e contista. Destacou-se nas artes cênicas com espetáculos como Macário, o Afortunado; O Estranho Senhor Paulo; A Bota e Sua Meia e As Quatro Direções do Céu, os quais receberam vários prêmios e se apresentaram no Brasil e no exterior.

CRISTIANO GOLDSCHMIDT. Jornalista, Pedagogo e Professor, Especialista em Pedagogia da Arte e em Docência no Ensino Superior, Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS.

DÉBORA RODRIGUES. Mestra em Criação Cênica pelo PPGAC da UFRGS, graduada em Artes Cênicas. Especialista em tecido aéreo, lira e elásticos. Criadora e coordenadora do Núcleo de Aéreos do Circo Girassol, contemplado com o Prêmio Funarte / Petrobras Carequinha de Estímulo ao Circo – 2011, que resultou no espetáculo Vertigens.

MARCELO ÁDAMS. Ator, diretor teatral e dramaturgo. Recebeu por duas vezes o Prêmio Açorianos de Melhor Ator, a mais prestigiada premiação do teatro gaúcho. Doutor em Teatro, é professor da graduação em Teatro-Licenciatura da Uergs.

PEDRO DELGADO. Ator, dramaturgo, diretor, professor e pesquisador teatral. Licenciado em história, licenciando em dança, especialista em pedagogia da Arte, mestre e doutorando em Artes Cênicas (UFRGS). Dramaturgo premiado com os Prêmios FUNARTE de Dramaturgia; SESI descobrindo Talentos e Mercado de Peças UFSC.

RAQUEL GUERRA. pesquisadora nas áreas do teatro, circo e audiovisual. Atualmente é diretora do Teatro Caixa Preta da Universidade Federal de Santa Maria, onde é professora adjunta e exerce funções como gestora cultural, atriz e diretora. Coordena o grupo CineCirco/CNPq com o qual produz acervos audiovisuais para a memória das Artes Cênicas.

RENATO MENDONÇA (coordenador): crítico teatral, jornalista e escritor. Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Por mais de dez anos, foi editor de Teatro do jornal Zero Hora. É coeditor do site nacional de crítica AGORA. Coordena desde 2013 a Escola de Espectadores de Porto Alegre (EEPA).