sábado, 8 de dezembro de 2018


Retrato de uma geração

Renato Mendonça



Atração de sexta à noite no palco do Teatro Bruno Kiefer, o grupo pelotense Coletivo Meiaoito mostrou um Cartão Postal que vale a pena ser olhado com atenção. Adaptação do texto Os Estonianos, da brasiliense Julia Spadaccini, Cartão Postal tinha tudo para carregar nas cores fortes já que trata do entrecruzamento de cinco narrativas ambientadas na grande cidade, todas elas marcadas por grandes solidões. Os envolvidos: Pedro é casado com a psicanalista Marilia, e sua vida conjugal se resume a uma DR interminável; Frede é um gay paranoico, louco para fugir da mediocridade da grande empresa onde trabalha embarcando rumo à Estônia; Livia se assume até como stripper para resolver seus problemas sexuais; Suely é uma entregadora de lanches sedenta pelo carinho de seus clientes.

A diversidade dos perfis dos personagens e as alternativas de combinação entre eles, no entanto, oferecem um potencial cômico que Spadaccini aproveitou em texto e o diretor Lucas Galho levou com competência para a cena. Ciente de que a força do Cartão Postal está na agilidade e humor das falas e na empatia que pode se estabelecer com a plateia, Galho propõe um cenário mínimo, delimitando grosso modo um cubo onde ocorrem as cenas. Esse espaço é ladeado por algumas cadeiras, ocupadas pelos atores não envolvidos diretamente na ação. A escalação do elenco – o próprio Galho, Alice Buchweitz, Brenda Seneme, Gustavo Brocker e Lizi Fonseca – é perfeita, explorando com habilidade tempo cômico e physique du rôle de cada um dos atores.

A encenação exala um vigor juvenil. As cenas fluem, e as risadas surgem naturalmente. Há um tom de irreverência e de leveza que relativiza o peso dos dramas em cena. A empatia é um alvo preferencial. E isso se faz em boa parte pelo desnudamento do jogo teatral e por soluções teatrais tão simples como criativas, que despertam aquele brilho no olhar dos espectadores que os personagens de Cartão Postal tanto perseguem. Lembro de duas. Numa, uma atriz usa um spray de água para garantir a chuva que banha o encontro mágico de Suely e Pedro. Noutro, Marilia começa afagando o pescoço de Pedro, mas a demonstração de carinho vai se embrutecendo até tornar-se quase um mata-leão.  

Uma das características mais notáveis de Cartão Postal é o de propor uma crônica geracional. Não por acaso, a música-tema do espetáculo é Quando Bate aquela Saudade, do carioca Rubel, uma balada que faz o retrato cantado de um sujeito lá pelos seus 30 anos, encarando as primeiras crises de adulto jovem. Uma fala de Marilia para Pedro resume: ela diz que sabe que a relação dos dois não é mais aquela Brastemp (essa expressão certamente não seria usada pelos jovens personagens...), mas confessa não ter ânimo para começar tudo de novo, o que implicaria seduzir, namorar, brigar, voltar, brigar, voltar. Insistir. Também não é por acaso localizar-se a felicidade na Estônia, ou em Tonga, ou na Austrália, ou em Portugal, qualquer belo horizonte que não o que se vê agora.

Confesso que cheguei ao final do espetáculo divertido, tendo feito reflexões e evocado memórias, mas algo aflito. Cartão Postal terminaria afirmando verdades, propondo receitas, levando-se a sério? Felizmente, não. A desilusão ali ainda é feita de sustos, e o tempo ainda está jogando a favor. Como ensina a música de Rubel, do alto dos 25 anos do compositor: “Não tem medo, não / Eu sei, vai dar errado / A gente fica longe / E volta a namorar depois”. 

Crédito da foto: Giuliano Bueno

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