Retrato de uma geração
Renato Mendonça
Atração de sexta à noite no palco do Teatro Bruno Kiefer, o
grupo pelotense Coletivo Meiaoito mostrou um Cartão Postal que vale a pena ser olhado com atenção. Adaptação do
texto Os Estonianos, da brasiliense
Julia Spadaccini, Cartão Postal tinha
tudo para carregar nas cores fortes já que trata do entrecruzamento de cinco
narrativas ambientadas na grande cidade, todas elas marcadas por grandes
solidões. Os envolvidos: Pedro é casado com a psicanalista Marilia, e sua vida
conjugal se resume a uma DR interminável; Frede é um gay paranoico, louco para
fugir da mediocridade da grande empresa onde trabalha embarcando rumo à
Estônia; Livia se assume até como stripper para resolver seus problemas sexuais;
Suely é uma entregadora de lanches sedenta pelo carinho de seus clientes.
A diversidade dos perfis dos personagens e as alternativas
de combinação entre eles, no entanto, oferecem um potencial cômico que
Spadaccini aproveitou em texto e o diretor Lucas Galho levou com competência
para a cena. Ciente de que a força do Cartão
Postal está na agilidade e humor das falas e na empatia que pode se
estabelecer com a plateia, Galho propõe um cenário mínimo, delimitando grosso
modo um cubo onde ocorrem as cenas. Esse espaço é ladeado por algumas cadeiras,
ocupadas pelos atores não envolvidos diretamente na ação. A escalação do elenco
– o próprio Galho, Alice Buchweitz, Brenda Seneme, Gustavo Brocker e Lizi
Fonseca – é perfeita, explorando com habilidade tempo cômico e physique du rôle
de cada um dos atores.
A encenação exala um vigor juvenil. As cenas fluem, e as
risadas surgem naturalmente. Há um tom de irreverência e de leveza que relativiza
o peso dos dramas em cena. A empatia é um alvo preferencial. E isso se faz em
boa parte pelo desnudamento do jogo teatral e por soluções teatrais tão simples
como criativas, que despertam aquele brilho no olhar dos espectadores que os
personagens de Cartão Postal tanto
perseguem. Lembro de duas. Numa, uma atriz usa um spray de água para garantir a
chuva que banha o encontro mágico de Suely e Pedro. Noutro, Marilia começa
afagando o pescoço de Pedro, mas a demonstração de carinho vai se embrutecendo até
tornar-se quase um mata-leão.
Uma das características mais notáveis de Cartão Postal é o de propor uma crônica
geracional. Não por acaso, a música-tema do espetáculo é Quando Bate aquela Saudade, do carioca Rubel, uma balada que faz o
retrato cantado de um sujeito lá pelos seus 30 anos, encarando as primeiras
crises de adulto jovem. Uma fala de Marilia para Pedro resume: ela diz que sabe
que a relação dos dois não é mais aquela Brastemp (essa expressão certamente
não seria usada pelos jovens personagens...), mas confessa não ter ânimo para começar
tudo de novo, o que implicaria seduzir, namorar, brigar, voltar, brigar, voltar.
Insistir. Também não é por acaso localizar-se a felicidade na Estônia, ou em
Tonga, ou na Austrália, ou em Portugal, qualquer belo horizonte que não o que
se vê agora.
Confesso que cheguei ao final do espetáculo divertido, tendo
feito reflexões e evocado memórias, mas algo aflito. Cartão Postal terminaria afirmando verdades, propondo receitas,
levando-se a sério? Felizmente, não. A desilusão ali ainda é feita de sustos, e
o tempo ainda está jogando a favor. Como ensina a música de Rubel, do alto dos 25
anos do compositor: “Não tem medo, não / Eu sei, vai dar errado / A gente fica
longe / E volta a namorar depois”.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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