Um valente à procura de uma alma teatral
Raquel Guerra
O espetáculo Alma Valente, com direção e
dramaturgia de Julio Cesar Aranda, da Cia Retalhos de Teatro, de Santa Maria,
participou ontem do 3º FESTE. A peça foi premiada no Festival de Rolante e
estreou em 2017.
A montagem apresenta em sua estrutura dramatúrgica
uma mescla de gêneros e linguagens, em uma mistura de ação, mistério, aventura
e melodrama. Ao começar o espetáculo, um texto em voz off e uma música, que
remete a filmes de ação e aventura, anunciam o que parece ser uma narrativa
épica ao melhor estilo teenager. Este momento inicial lembra as ficções
encontradas em livros e filmes direcionados ao público juvenil, tais como Maze
Runner, Divergente ou Jogos Vorazes. Este contexto narrativo fica aludido com a
sugestão de uma mensagem misteriosa, tal qual uma profecia direcionada a cinco
jovens, que são chamados de “os valentes”. Estes personagens têm uma missão:
salvar a criança e encontrar Alma, uma figura misteriosa que é revelada no
desfecho da trama. Este epílogo inicial subentende que, veremos a seguir, uma
sequência de aventuras em uma trama futurista. Logo nas primeiras cenas, o
texto nos leva a um universo tecnológico e pós-catástrofe, que se passa no ano
de 2058. Um mundo dominado pelo Sistema Martírio, onde as pessoas são
controladas e manipuladas pelo governo.
Contudo, no desenrolar do espetáculo, o que vemos
transcorrer por meio da fala dos personagens são os quiprocós e desfechos
típicos das cenas melodramáticas, que ecoam através de frases como “Eu estou
grávida”, “Máximus é seu pai” ou “A alma é Martírio”, e que resultam em
soluções fáceis demais ao conflito proposto. A atuação reforça este estilo e,
pouco a pouco, o clima de aventura e mistério dá lugar ao estilo novelesco. As
resoluções cênicas são sempre resolvidas pelo discurso e o conflito dramático,
ao invés de crescer em complexidade como ocorre nas narrativas de ação e
aventura, se deslinda rapidamente, como se fosse num passe de mágica, através
da fala dos personagens.
O desenho de luz proposto pelo iluminador Rafael
Jacinto foi certeiro para compor o espaço vazio de cenário, mas com uma intensa
movimentação de entradas e saídas, de modo que foram utilizados luzes laterais,
corredores e focos específicos para as cenas individuais de alguns personagens.
A fumaça utilizada também contribuiu para compor o desenho de luz e reforçar a
atmosfera proposta de floresta, fuga e luta de algumas cenas. Nesse sentido, foi
excelente a escolha do diretor Julio Aranda em não utilizar cenários e investir
na criação de cena com os atores e iluminação. Isso evitou os excessos de
cenografia comumente empregados em espetáculos infantojuvenis.
O argumento proposto pela narrativa tem uma
contundência fundamental nos dias de hoje e, por isso, apesar de pontuar que
ele poderia ser melhor desenvolvido como dramaturgia, no sentido de
complexificar a trama e deixar o espectador cada vez mais interessado, penso
que existe mérito em trazer para o teatro infantojuvenil um tema que trata de
manipulação, censura e autoritarismo.
Por fim, penso que é importante mencionar que a
Cia Retalhos de Teatro figura entre os grupos teatrais mais antigos da cidade
de Santa Maria, em atividade permanente. Fundada e coordenada por Helquer Paez,
a Cia tem mais de vinte anos de estrada, já participou de inúmeros festivais e
faz parte da história do teatro santa-mariense. Por ela passam jovens artistas,
que iniciam sua carreira em Santa Maria. O jovem diretor e dramaturgo Julio
Cesar Aranda é um destes casos. Um valente a procura de sua alma teatral.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
Nenhum comentário:
Postar um comentário