domingo, 9 de dezembro de 2018


Um valente à procura de uma alma teatral

Raquel Guerra



O espetáculo Alma Valente, com direção e dramaturgia de Julio Cesar Aranda, da Cia Retalhos de Teatro, de Santa Maria, participou ontem do 3º FESTE. A peça foi premiada no Festival de Rolante e estreou em 2017.

A montagem apresenta em sua estrutura dramatúrgica uma mescla de gêneros e linguagens, em uma mistura de ação, mistério, aventura e melodrama. Ao começar o espetáculo, um texto em voz off e uma música, que remete a filmes de ação e aventura, anunciam o que parece ser uma narrativa épica ao melhor estilo teenager. Este momento inicial lembra as ficções encontradas em livros e filmes direcionados ao público juvenil, tais como Maze Runner, Divergente ou Jogos Vorazes. Este contexto narrativo fica aludido com a sugestão de uma mensagem misteriosa, tal qual uma profecia direcionada a cinco jovens, que são chamados de “os valentes”. Estes personagens têm uma missão: salvar a criança e encontrar Alma, uma figura misteriosa que é revelada no desfecho da trama. Este epílogo inicial subentende que, veremos a seguir, uma sequência de aventuras em uma trama futurista. Logo nas primeiras cenas, o texto nos leva a um universo tecnológico e pós-catástrofe, que se passa no ano de 2058. Um mundo dominado pelo Sistema Martírio, onde as pessoas são controladas e manipuladas pelo governo.

Contudo, no desenrolar do espetáculo, o que vemos transcorrer por meio da fala dos personagens são os quiprocós e desfechos típicos das cenas melodramáticas, que ecoam através de frases como “Eu estou grávida”, “Máximus é seu pai” ou “A alma é Martírio”, e que resultam em soluções fáceis demais ao conflito proposto. A atuação reforça este estilo e, pouco a pouco, o clima de aventura e mistério dá lugar ao estilo novelesco. As resoluções cênicas são sempre resolvidas pelo discurso e o conflito dramático, ao invés de crescer em complexidade como ocorre nas narrativas de ação e aventura, se deslinda rapidamente, como se fosse num passe de mágica, através da fala dos personagens.

O desenho de luz proposto pelo iluminador Rafael Jacinto foi certeiro para compor o espaço vazio de cenário, mas com uma intensa movimentação de entradas e saídas, de modo que foram utilizados luzes laterais, corredores e focos específicos para as cenas individuais de alguns personagens. A fumaça utilizada também contribuiu para compor o desenho de luz e reforçar a atmosfera proposta de floresta, fuga e luta de algumas cenas. Nesse sentido, foi excelente a escolha do diretor Julio Aranda em não utilizar cenários e investir na criação de cena com os atores e iluminação. Isso evitou os excessos de cenografia comumente empregados em espetáculos infantojuvenis.

O argumento proposto pela narrativa tem uma contundência fundamental nos dias de hoje e, por isso, apesar de pontuar que ele poderia ser melhor desenvolvido como dramaturgia, no sentido de complexificar a trama e deixar o espectador cada vez mais interessado, penso que existe mérito em trazer para o teatro infantojuvenil um tema que trata de manipulação, censura e autoritarismo.

Por fim, penso que é importante mencionar que a Cia Retalhos de Teatro figura entre os grupos teatrais mais antigos da cidade de Santa Maria, em atividade permanente. Fundada e coordenada por Helquer Paez, a Cia tem mais de vinte anos de estrada, já participou de inúmeros festivais e faz parte da história do teatro santa-mariense. Por ela passam jovens artistas, que iniciam sua carreira em Santa Maria. O jovem diretor e dramaturgo Julio Cesar Aranda é um destes casos. Um valente a procura de sua alma teatral.

Crédito da foto: Giuliano Bueno

Nenhum comentário:

Postar um comentário