domingo, 9 de dezembro de 2018


Jovem elenco enfrenta a antiga fábula

Camilo de Lélis
 

A origem do texto teatral O Ferreiro e a Morte, que os dramaturgos uruguaios Mercedes Rein e Jorge Curi adaptaram para o teatro, está no capítulo XXIII da novela Dom Segundo Sombra, do escritor argentino Ricardo Guiraldes (1886-1927). A lenda de um homem pobre, porém esperto, que chega a enganar a Morte (ou engana o diabo, em outras versões da fábula) é muito antiga, existe em quase todas as nações, desde o oriente até o ocidente. Quando Guiraldes incluiu essa narrativa no seu romance ambientado no Pampa, ela já havia sido utilizada por outros autores latino-americanos, o exemplo mais famoso é o texto À Direita de Deus Pai, do colombiano Enrique Buenaventura. A primeira encenação de O Ferreiro e a Morte no Brasil foi realizada pela companhia Teatral Face & Carretos, de Porto Alegre, em 1982.

O espetáculo da Cia. Cena Viva de Santa Rosa nos apresenta O Ferreiro e a Morte pela ótica de um elenco juvenil, a maioria dos atores tem idades em torno de 12 a 15 anos. Essa situação é, ao mesmo tempo, uma dificuldade e um estímulo. Existe a dificuldade de se ter personagens como São Pedro, Jesus, jogadores, a Morte e o próprio Diabo – todos exigindo a experiência obtida pela vivência - sendo representados por jovens. E existe o estímulo, porque o teatro é uma escola de vida e sensibilidade. Nada melhor que uma fábula, ou mesmo um mito,  para se dar os primeiros passos nessa atividade artística. A Cia. Cena Viva é um coletivo de estudantes, orientados pelo professor de teatro Jadson Silva (ele também está em cena, como o protagonista Miséria Peralta). Nota-se que o grupo está aprendendo a arte com muito entusiasmo e seriedade.

O espetáculo começa com os atores caracterizados como bailarinos de CTG. No caso, a Tradição, representada por eles, seria a verdadeira narradora dessa lenda e, dentre os bailarinos, numa coreografia inicial, surge o velho gaúcho Miséria para reviver a sua estória. Ele conta que  foi o homem que recebeu a visita de Jesus e São Pedro e, por intervenção de um pedido milagroso que fez ao Nosso Senhor, prendeu a Morte em cima de uma árvore (adaptada nessa montagem para uma escada). O gaúcho Miséria, com a Morte sob o seu domínio, não deixava que ninguém mais morresse. Ele relata aos espectadores as consequências que o mundo veio a sofrer, por causa disso.

O elenco está bastante equilibrado, mas há destaques nas interpretações de Jesus (Joana Dorfer), a Morte (Alexia Ribas), São Pedro (Lucas Vieira), O Governador (Josafa de Souza), O jogador Fuleiro (Eduarda Moura) e o Diabo (Kennedy Batista). Também, a experiência do professor Jadson sempre é um exemplo e um reforço em cena para a turma de jovens atores. A alegoria da Morte está muito simpática, com uma bela maquiagem. A personagem cai logo no gosto do público, que chega  a ter pena dela quando a coitada não consegue sair de sua prisão.

A crítica mais pertinente a se fazer é quanto à dicção de alguns integrantes, que falam depressa demais e não conseguem imprimir intenção nas falas. Há práticas apropriadas que fariam a diferença nesse sentido, por exemplo, o exercício de morder um lápis, ou uma rolha, e repetir muitas vezes o mesmo texto alto e devagar. Também, nesse sentido, o jogo de truco está indecifrável, pela rapidez no dizer as falas, que não chegam aos ouvidos do público com clareza, pese o fato de se tratar de um jogo pouco conhecido pelo público em geral.  A dicção é fundamental, mesmo quando a cena exige mais velocidade nas réplicas, como é o caso do jogo do truco.

O público ri bastante, o que mostra que a velha fábula do ferreiro que enganou a Morte continua funcionando. A peça termina no mesmo estilo em que começou. Voltam os bailarinos de CTG e dançam para o agradecimento, quando as personagens recebem os merecidos aplausos. Está de parabéns a cidade de Santa Rosa por apoiar a iniciativa do professor Jadson Silva e por incentivar os jovens para que continuem nessa saudável convivência com as Artes Cênicas. Parabéns!


Crédito da foto: Giuliano Bueno

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