Jovem elenco enfrenta a antiga fábula
Camilo de Lélis
A origem do texto teatral O Ferreiro e a Morte, que os
dramaturgos uruguaios Mercedes Rein e Jorge Curi adaptaram para o teatro, está
no capítulo XXIII da novela Dom Segundo Sombra, do escritor
argentino Ricardo Guiraldes (1886-1927). A lenda de um homem pobre, porém
esperto, que chega a enganar a Morte (ou engana o diabo, em outras versões da fábula)
é muito antiga, existe em quase todas as nações, desde o oriente até o
ocidente. Quando Guiraldes incluiu essa narrativa no seu romance ambientado no
Pampa, ela já havia sido utilizada por outros autores latino-americanos, o
exemplo mais famoso é o texto À Direita de Deus Pai, do colombiano Enrique
Buenaventura. A primeira encenação de O Ferreiro e a Morte no Brasil
foi realizada pela companhia Teatral Face & Carretos, de Porto Alegre,
em 1982.
O espetáculo da Cia. Cena Viva de Santa Rosa nos apresenta O
Ferreiro e a Morte pela ótica de um elenco juvenil, a maioria dos atores tem
idades em torno de 12 a 15 anos. Essa situação é, ao mesmo tempo, uma
dificuldade e um estímulo. Existe a dificuldade de se ter personagens como São
Pedro, Jesus, jogadores, a Morte e o próprio Diabo – todos exigindo a
experiência obtida pela vivência - sendo representados por jovens. E existe o
estímulo, porque o teatro é uma escola de vida e sensibilidade. Nada melhor que
uma fábula, ou mesmo um mito, para se dar os primeiros passos nessa
atividade artística. A Cia. Cena Viva é um coletivo de estudantes,
orientados pelo professor de teatro Jadson Silva (ele também está em cena,
como o protagonista Miséria Peralta). Nota-se que o grupo está aprendendo
a arte com muito entusiasmo e seriedade.
O espetáculo começa com os atores caracterizados como
bailarinos de CTG. No caso, a Tradição, representada por eles, seria a
verdadeira narradora dessa lenda e, dentre os bailarinos, numa coreografia
inicial, surge o velho gaúcho Miséria para reviver a sua estória. Ele conta que
foi o homem que recebeu a visita de Jesus e São Pedro e, por intervenção
de um pedido milagroso que fez ao Nosso Senhor, prendeu a Morte em cima de uma
árvore (adaptada nessa montagem para uma escada). O gaúcho Miséria, com a Morte
sob o seu domínio, não deixava que ninguém mais morresse. Ele relata aos
espectadores as consequências que o mundo veio a sofrer, por causa disso.
O elenco está bastante equilibrado, mas há destaques nas
interpretações de Jesus (Joana Dorfer), a Morte (Alexia Ribas), São Pedro (Lucas
Vieira), O Governador (Josafa de Souza), O jogador Fuleiro (Eduarda Moura) e o
Diabo (Kennedy Batista). Também, a experiência do professor Jadson sempre é um
exemplo e um reforço em cena para a turma de jovens atores. A alegoria da Morte
está muito simpática, com uma bela maquiagem. A personagem cai logo no gosto do
público, que chega a ter pena dela quando a coitada não consegue sair de
sua prisão.
A crítica mais pertinente a se fazer é quanto à dicção de
alguns integrantes, que falam depressa demais e não conseguem imprimir intenção
nas falas. Há práticas apropriadas que fariam a diferença nesse sentido, por
exemplo, o exercício de morder um lápis, ou uma rolha, e repetir muitas vezes o
mesmo texto alto e devagar. Também, nesse sentido, o jogo de truco está
indecifrável, pela rapidez no dizer as falas, que não chegam aos ouvidos do
público com clareza, pese o fato de se tratar de um jogo pouco conhecido pelo público
em geral. A dicção é fundamental, mesmo quando a cena exige mais
velocidade nas réplicas, como é o caso do jogo do truco.
O público ri bastante, o que mostra que a velha fábula do
ferreiro que enganou a Morte continua funcionando. A peça termina no mesmo
estilo em que começou. Voltam os bailarinos de CTG e dançam para o
agradecimento, quando as personagens recebem os merecidos aplausos. Está de
parabéns a cidade de Santa Rosa por apoiar a iniciativa do professor Jadson
Silva e por incentivar os jovens para que continuem nessa saudável convivência
com as Artes Cênicas. Parabéns!
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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