A Norma das palavras
Renato Mendonça
O 3° FESTE foi aberto ontem, com a apresentação do espetáculo Norma, da companhia de teatro Você Sabe Quem. A montagem pelotense foi destaque do XXII Santiago Encena, vencendo em cinco categorias, inclusive melhor espetáculo e melhor atriz (Isabelle Vignol).
Norma acerta ao identificar e explorar o potencial cômico contido no filme Crepúsculo dos Deuses (1950), no qual a peça é livremente inspirada. O longa, dirigido e coescrito por Billy Wilder, é um retrato em branco e preto das vítimas que os tempos modernos deixam pelo caminho. O foco é Norma Desmond, veterana atriz do tempo do cinema mudo, que passa os dias encastelada em sua mansão, delirando na ilusão de voltar aos seus tempos de glória.
Mas, enquanto Crepúsculo dos Deuses exercita um humor pontuado e amargo, a montagem dirigida por Eduarda Bento e Thalles Echeverry prefere deixar o patético da personagem para as cenas finais. Ao longo dos 60 minutos de espetáculo, a aposta é no humor basicamente físico da contracenação entre Norma e seu mordomo Max (Thalles Echeverry), marcada por gestos e expressões faciais no exagero característico do cinema mudo, além da distorção de cenário e maquiagem próprios do expressionismo alemão. O apelo ao riso funciona muito bem especialmente nas cenas em que a ex-estrela convoca seu serviçal a ajudá-la no ensaio de algumas cenas – a incapacidade de Norma construir os diálogos de Medéia junto à sua compulsão por alternar entonações de voz são pontos altos.
Percebe-se o cuidado do grupo Você Sabe Quem com todos os elementos de encenação, o que inclui o figurino em tons de preto e branco, a evocar a estética do cinema mudo, e o despojamento do cenário, resumido basicamente a um quadro que retrata o apogeu da estrela ensandecida e marcado por formas desalinhadas, aludindo ao desequilíbrio emocional da protagonista.
A peça, entretanto, não segue a regra de ouro dos filmes do cinema mudo, estruturados a partir de uma narrativa clara e direta. A dramaturgia de Echeverry perde ritmo em algumas cenas e não aproveita adequadamente elementos da trama que a inspira, especialmente a figura do roteirista Joe Gillis. A narração em off, um dos diferenciais do filme de Wilder, é incorporada à encenação, mas também poderia ser melhor explorada. O recurso da iluminação estroboscópica, que simula a projeção precária dos primeiros tempos do cinema, é uma ótima sacada de direção que poderia ser guardada para o clímax do espetáculo.
Norma se sustenta principalmente pelas atuações de Isabelle e Echeverry. O talento de ambos justifica inclusive a frustração deste espectador por não haver uma cena muda que desse ou não razão a Norma quando ela afirma ser capaz de representar qualquer emoção sem palavras. Seria uma provocação interessante: as falas são realmente indispensáveis? Quando o silêncio é mais eloquente que as palavras? Em que medida as palavras delimitam e fecham o sentido para o espectador?
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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