segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Amadurecer é preciso

Renato Mendonça


O início de Entre Três promete: um garçom (Hellen Höher) e um cliente (Otávio Arns), sozinhos no bar, estabelecem uma relação de atrito expressa em silêncio, gestos, esgares e gags cômicas tradicionais, como fazer algo e fingir que nada aconteceu. Hellen e Otávio contracenam com naturalidade e rigor, e tudo vai bem até que... o cliente fala. Não que a voz seja um problema em si, mas a partir daí Entre Três se mantém entre vários estilos – ora humor visual, logo uma comédia mais convencional –, desorientando o espectador e impedindo uma aproximação do espetáculo.

O enredo é simples: entra em cena uma  mulher (Renata Demarco) que desequilibra a briga de gato e rato entre o funcionário e o cliente. Ela é a femme fatale típica: lânguida, aflita por fogo (que rende, claro, trocadilhos picantes e infames), finge não perceber as investidas do macho alfa. Esse ménage se estende pelos 60 minutos de peça, com altos e baixos, ao som de uma bem escolhida trilha que sugere intimidade e sedução.

Entre os baixos está a batalha perdida em descobrir qual o sentido dramático de uma ampulheta que pontua várias cenas, sugerindo que o tempo é um elemento importante na história. Confesso que, frente ao domínio gestual do elenco, imaginei que haveria passeios no tempo, ricochetes do passado ao futuro, o que certamente renderia cenas interessantes. Mas a narrativa não experimenta saltos no tempo, ou ao menos nada que seja dramaticamente relevante. A técnica vocal dos atores também deve ser atentada, já que algumas falas são dadas de forma atabalhoada, praticamente incompreensível.  

Talvez o diretor Leonardo Rodrigues pudesse avaliar ainda a decisão de delimitar três polos imóveis em cena: uma mesa e o balcão do bar nas laterais do palco, outra mesa no centro. Tendo em vista o talento para o movimento de seus atores, porque não quebrar essa rigidez, dotando mesas e balcão de rolamentos. Se o tempo é mutável, ao que sugere a peça, por que não também o espaço? Isso poderia render situações bem engraçadas, e não seria de difícil execução.

Entre os altos, o domínio de corpo e rigor de gestos do elenco todo, certamente consequência da trajetória da Clowncando na técnica clown e de palhaço. Entre Três é pontuado por cenas de dança, quando Otávio brilha ao desconcertar o espectador, desmontando o estilo machão para mostrar-se um bailarino de ótima técnica. Essas intervenções, que garantem um ruído bem-vindo na encenação, infelizmente se repetem, perdendo impacto. Outra situação que poderia ser melhor aproveitada está no final da peça, quando o garçom revela sua real identidade, estabelecendo um “duplo” com a cliente. Essa surpreendente sororidade poderia render movimentos espelhados, coreografias.

Tomo a liberdade de propor porque sei que Entre Três é um espetáculo ainda em fase de amadurecimento: a apresentação no FESTE foi sua oitava, a quarta com Helen no elenco. É visível o capacidade técnica de todos da Clowncando, como também a ousadia em investir em um terreno que não o da palhaçaria. Além disso, em conversa informal depois da sessão, Leonardo narrou as dificuldades que Entre Três enfrentou para a apresentação no FESTE.

De toda forma, o que vale é o que está em cena, e a montagem do Clowncando mostrou que ainda levará algum tempo para amadurecer, seja qual for a ampulheta que se queira usar. Fiquei frustrado por não assistir a um espetáculo roots do grupo, em cima da arte da palhaçaria. Quem sabe no próximo FESTE.

Crédito da foto: Giuliano Bueno


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