Amadurecer é preciso
Renato Mendonça
O início de Entre Três promete: um garçom (Hellen Höher) e
um cliente (Otávio Arns), sozinhos no bar, estabelecem uma relação de atrito expressa
em silêncio, gestos, esgares e gags cômicas tradicionais, como fazer algo e fingir
que nada aconteceu. Hellen e Otávio contracenam com naturalidade e rigor, e tudo
vai bem até que... o cliente fala. Não que a voz seja um problema em si, mas a partir
daí Entre Três se mantém entre vários estilos – ora humor visual, logo uma
comédia mais convencional –, desorientando o espectador e impedindo uma
aproximação do espetáculo.
O enredo é simples: entra em cena uma mulher (Renata Demarco) que desequilibra a
briga de gato e rato entre o funcionário e o cliente. Ela é a femme fatale
típica: lânguida, aflita por fogo (que rende, claro, trocadilhos picantes e
infames), finge não perceber as investidas do macho alfa. Esse ménage se
estende pelos 60 minutos de peça, com altos e baixos, ao som de uma bem escolhida
trilha que sugere intimidade e sedução.
Entre os baixos está a batalha perdida em descobrir qual o
sentido dramático de uma ampulheta que pontua várias cenas, sugerindo que o
tempo é um elemento importante na história. Confesso que, frente ao domínio gestual
do elenco, imaginei que haveria passeios no tempo, ricochetes do passado ao
futuro, o que certamente renderia cenas interessantes. Mas a narrativa não
experimenta saltos no tempo, ou ao menos nada que seja dramaticamente
relevante. A técnica vocal dos atores também deve ser atentada, já que algumas
falas são dadas de forma atabalhoada, praticamente incompreensível.
Talvez o diretor Leonardo Rodrigues pudesse avaliar ainda a
decisão de delimitar três polos imóveis em cena: uma mesa e o balcão do bar nas
laterais do palco, outra mesa no centro. Tendo em vista o talento para o
movimento de seus atores, porque não quebrar essa rigidez, dotando mesas e
balcão de rolamentos. Se o tempo é mutável, ao que sugere a peça, por que não também
o espaço? Isso poderia render situações bem engraçadas, e não seria de difícil
execução.
Entre os altos, o domínio de corpo e rigor de gestos do
elenco todo, certamente consequência da trajetória da Clowncando na técnica
clown e de palhaço. Entre Três é pontuado por cenas de dança, quando Otávio
brilha ao desconcertar o espectador, desmontando o estilo machão para
mostrar-se um bailarino de ótima técnica. Essas intervenções, que garantem um
ruído bem-vindo na encenação, infelizmente se repetem, perdendo impacto. Outra
situação que poderia ser melhor aproveitada está no final da peça, quando o
garçom revela sua real identidade, estabelecendo um “duplo” com a cliente. Essa
surpreendente sororidade poderia render movimentos espelhados, coreografias.
Tomo a liberdade de propor porque sei que Entre Três é um
espetáculo ainda em fase de amadurecimento: a apresentação no FESTE foi sua
oitava, a quarta com Helen no elenco. É visível o capacidade técnica de todos
da Clowncando, como também a ousadia em investir em um terreno que não o da palhaçaria.
Além disso, em conversa informal depois da sessão, Leonardo narrou as
dificuldades que Entre Três enfrentou para a apresentação no FESTE.
De toda forma, o que vale é o que está em cena, e a montagem
do Clowncando mostrou que ainda levará algum tempo para amadurecer, seja qual
for a ampulheta que se queira usar. Fiquei frustrado por não assistir a um
espetáculo roots do grupo, em cima da arte da palhaçaria. Quem sabe no próximo
FESTE.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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