Duas Olgas em cena
Renato Mendonça
Olga Benário (1908-1942) era uma pedra nas botas dos
nazistas. Ainda adolescente, foi quadro destacado da juventude comunista alemã
que lutava nas ruas contra as milícias nacional-socialistas. Depois de algum
tempo na URSS, viaja ao Brasil para ajudar Luis Carlos Prestes nas ações do
Partido. Casa-se com ele. Em 1936, presa com Prestes logo após a Intentona,
Olga grávida é deportada para a Alemanha, internada em campos de concentração
até sua morte em uma câmara de gás.
Este é o resumo da vida e da morte de uma militante rígida e
voluntariosa, odiada pelos nazistas por não colaborar mesmo após punida com
temporadas na solitária, líder que organizava atividades de história e
ginástica para que suas colegas de campo não esmorecessem. Esse resumo,
entretanto, confina Olga a uma dimensão apenas – ela não guardava forças para o
amor?
O monólogo Olga, do grupo ArtisticaMente (Canela), responde
a essa pergunta acompanhando os últimos dias da militante e mulher, confinada no
campo de extermínio de Bernburg. Mesmo restrita à cela, a prisioneira se
emociona ao lembrar da filha Anita e do marido Carlos. Restam-lhe dias, talvez
horas, mas ela se liberta ao afirmar sua humanidade. Edelweiss Ramos é quem interpreta,
ou melhor, vive Olga.
A encenação da diretora Luana Ferrão tem vários acertos.
Primeiro, dispõe a cela de 2m x 2m no centro de uma arena, expondo o público à
sensação de confinamento, mas também à emoção sem freios da presa. Trata-se de
um monólogo, mas a trilha sonora, que reproduz discursos de ódio de Hitler,
ruídos de trens e de botas marchando, serve como uma espécie de antagonista a
Olga.
O espetáculo coloca em cena tanto a militante disciplinada e
implacável quanto a mãe e amante devotada, e esse é seu maior mérito e seu
maior desafio. A personagem está em uma situação limite – melhor dizer em uma
situação sem limites. Talvez haja mesmo uma guerra interior, entre emoção e
determinação. De todo modo, não há o que refrear, é o tudo ou nada, os
sentimentos são o que resta, em breve estará aspirando o letal Zyklon-B.
Por conta disso, a interpretação de Edelweiss segue no fio
da navalha, submetida a um equilíbrio instável. Ela brilha na cena em que Olga
desata num discurso político inflamado, entremeado por sussurros candentes de
“Anita! Anita!”. Outro exemplo de sutileza pode ser visto no início da peça,
quando a personagem está ajoelhada enfileirando pedaços de miolo de pão,
evocando uma sensação tocante de fragilidade e resiliência. Mas às vezes a
ótima Edelweiss deixa vazar demais a emoção ou hesita no texto, exaurida talvez
pela voltagem emocional que a personagem lhe exige.
Não cabe aqui discutir as contradições da cidadã Olga – ela
investe aos berros contra os tiranos, mas esquece que Stálin foi o ditador que
mais matou comunistas na história. Saímos do espetáculo intolerantes com a
intolerância, revoltados com o arbítrio, emocionados pela jornada da mãe
separada da filha, chocados com a cena final da execução. Mas Olga é também a
oportunidade de refletirmos se estamos endurecendo e perdendo a ternura.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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