Olga Benário, uma vítima do holocausto
Pedro Delgado
Hoje, enquanto me deslocava até a Sala Carlos Carvalho para
ver a peça Olga, do grupo ArtisticaMente (Canela), me perguntei: o que leva uma
pessoa a sair de sua casa para assistir a uma peça de teatro? Quando entrei no
teatro e percebi um pequeno cenário em forma de uma cela localizado bem no meio
da sala, rodeado por uma plateia disposta em arena e ocupando todas as cadeiras,
me fiz novamente a mesma pergunta, porém, agora, mais atento para encontrar uma
resposta. No momento em que escrevo este texto, já mais afastado do
acontecimento teatral, ainda que bastante afetado com a experiência de
espectador, continuo sem uma conclusão definitiva.
Com resposta ou não, o certo é que o 4º Festival Estadual de
Teatro do Rio Grande do Sul (FESTE) tirou muita gente do repouso pós-almoço de
domingo para junta comungar do fenômeno do acontecimento teatral produzido pelo
ArtisticaMente. A peça mostra o drama de Olga Benário Prestes no período em que
viveu nos campos de concentração nazista após ser perseguida e deportada do
Brasil para a Alemanha em 1936. A revolucionária estava grávida quando Getúlio
Vargas assinou o decreto de sua expulsão, no dia 28 de agosto do mesmo ano.
Olga Benário era judia e mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes. Deu à
luz já nos campos de concentração, lugar onde morreu vítima de sufocamento numa
câmara de gás aos 34 anos, em 23 de abril de 1942.
É com essa Olga Prestes, atravessada por ideais comunistas e
sentimentos maternos, que a atriz Edelweiss Ramos emocionou e comoveu a
plateia, que se manteve atenta do início ao final da apresentação. A
ambientação da dramaturgia e a riqueza de detalhes da cenografia e da estética
corporal de Edelweiss surpreendem pelo cuidado e pelos detalhes como são
executados. O cenário em forma de cela de prisão com arames farpados nas partes
superior e inferior, onde o personagem permanece durante toda a peça, ajuda a
construir a atmosfera opressora e insalubre dos campos de extermínio do
holocausto. O figurino, as marcas no corpo e o corte do cabelo quase raspado da
atriz são marcas que denunciam a violência sofrida pelos prisioneiros judeus.
Os áudios com discursos de Hitler e outros ruídos dos campos de concentração,
ouvidos desde o início da peça, reforçam a intolerância e a violência dos nazistas.
Todos os elementos postos em cena possuem funções
dramatúrgicas e são utilizados com o intuito de potencializar o drama vivido
por Olga. Assim, o espetáculo que foi concebido para a Maratona de Monólogos de
2018, com a direção cuidadosa e eficiente de Luana Serrão, é um exemplo de
processo de criação bem-sucedido. Aproveito, entretanto, para chamar a atenção
para dois pontos que talvez possam tornar a peça ainda mais potente. Acredito
que, em alguns momentos, a dramatização da atriz se sobrepõe ao drama da
história narrada, vitimizando um pouco o personagem. O final da peça é um desses momentos, quando a
atriz se retorce e treme. O tônus do corpo da atriz ainda exibe força e, no
entanto, ela o fragiliza num comportamento um tanto debilitado.
A outra
ressalva fica por conta da definição das cenas. Acredito que se essas fossem
definidas para acontecerem em espaços específicos se evitaria a repetição dos
mesmos recursos como, por exemplo, as idas e vindas aleatórias do personagem ao
deslocar-se no interior da cela. Essas definições das ações físicas da atriz e
a respiração entre uma cena e outra ajudarão na definição estética dos momentos
em que o personagem narra sua história e os momentos em que ele introjeta e
vive seu próprio drama, isso é, quando ele é narrador narrando o seu passado e
quando ele é o personagem vivendo o presente.
Talvez esteja sendo preciosista, mas acredito que esses
ajustes reforçariam a dramaturgia das cenas e definiriam melhor as imagens e
sua poesia. Quero concluir essa escrita destacando dois momentos em que essas
definições para as quais chamo a atenção estão bem executadas, lindas e
fortemente emocionantes: a primeira é quase no início da peça, quando o corpo
de Olga fica, alguns segundos, jogado no chão em decúbito dorsal sem falar nada
reforçando apenas a dramaturgia de sua respiração. É um momento potente tanto
dramaticamente quanto poético. O segundo
momento é quando, depois de saber que a filha está viva, Olga fica em pé
dando-se por conta de que agora tem uma razão para continuar lutando. É um
momento de grande performance da atriz. Parabéns ao grupo ArtisticaMente pelo
belo e potente trabalho e, vida longa à Olga!
Crédito da foto: Otto Herok
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