terça-feira, 10 de dezembro de 2019


Olga Benário, uma vítima do holocausto

Pedro Delgado


Hoje, enquanto me deslocava até a Sala Carlos Carvalho para ver a peça Olga, do grupo ArtisticaMente (Canela), me perguntei: o que leva uma pessoa a sair de sua casa para assistir a uma peça de teatro? Quando entrei no teatro e percebi um pequeno cenário em forma de uma cela localizado bem no meio da sala, rodeado por uma plateia disposta em arena e ocupando todas as cadeiras, me fiz novamente a mesma pergunta, porém, agora, mais atento para encontrar uma resposta. No momento em que escrevo este texto, já mais afastado do acontecimento teatral, ainda que bastante afetado com a experiência de espectador, continuo sem uma conclusão definitiva.

Com resposta ou não, o certo é que o 4º Festival Estadual de Teatro do Rio Grande do Sul (FESTE) tirou muita gente do repouso pós-almoço de domingo para junta comungar do fenômeno do acontecimento teatral produzido pelo ArtisticaMente. A peça mostra o drama de Olga Benário Prestes no período em que viveu nos campos de concentração nazista após ser perseguida e deportada do Brasil para a Alemanha em 1936. A revolucionária estava grávida quando Getúlio Vargas assinou o decreto de sua expulsão, no dia 28 de agosto do mesmo ano. Olga Benário era judia e mulher do líder comunista Luis Carlos Prestes. Deu à luz já nos campos de concentração, lugar onde morreu vítima de sufocamento numa câmara de gás aos 34 anos, em 23 de abril de 1942.

É com essa Olga Prestes, atravessada por ideais comunistas e sentimentos maternos, que a atriz Edelweiss Ramos emocionou e comoveu a plateia, que se manteve atenta do início ao final da apresentação. A ambientação da dramaturgia e a riqueza de detalhes da cenografia e da estética corporal de Edelweiss surpreendem pelo cuidado e pelos detalhes como são executados. O cenário em forma de cela de prisão com arames farpados nas partes superior e inferior, onde o personagem permanece durante toda a peça, ajuda a construir a atmosfera opressora e insalubre dos campos de extermínio do holocausto. O figurino, as marcas no corpo e o corte do cabelo quase raspado da atriz são marcas que denunciam a violência sofrida pelos prisioneiros judeus. Os áudios com discursos de Hitler e outros ruídos dos campos de concentração, ouvidos desde o início da peça, reforçam a intolerância e a violência dos nazistas. 

Todos os elementos postos em cena possuem funções dramatúrgicas e são utilizados com o intuito de potencializar o drama vivido por Olga. Assim, o espetáculo que foi concebido para a Maratona de Monólogos de 2018, com a direção cuidadosa e eficiente de Luana Serrão, é um exemplo de processo de criação bem-sucedido. Aproveito, entretanto, para chamar a atenção para dois pontos que talvez possam tornar a peça ainda mais potente. Acredito que, em alguns momentos, a dramatização da atriz se sobrepõe ao drama da história narrada, vitimizando um pouco o personagem.  O final da peça é um desses momentos, quando a atriz se retorce e treme. O tônus do corpo da atriz ainda exibe força e, no entanto, ela o fragiliza num comportamento um tanto debilitado.

A outra ressalva fica por conta da definição das cenas. Acredito que se essas fossem definidas para acontecerem em espaços específicos se evitaria a repetição dos mesmos recursos como, por exemplo, as idas e vindas aleatórias do personagem ao deslocar-se no interior da cela. Essas definições das ações físicas da atriz e a respiração entre uma cena e outra ajudarão na definição estética dos momentos em que o personagem narra sua história e os momentos em que ele introjeta e vive seu próprio drama, isso é, quando ele é narrador narrando o seu passado e quando ele é o personagem vivendo o presente. 

Talvez esteja sendo preciosista, mas acredito que esses ajustes reforçariam a dramaturgia das cenas e definiriam melhor as imagens e sua poesia. Quero concluir essa escrita destacando dois momentos em que essas definições para as quais chamo a atenção estão bem executadas, lindas e fortemente emocionantes: a primeira é quase no início da peça, quando o corpo de Olga fica, alguns segundos, jogado no chão em decúbito dorsal sem falar nada reforçando apenas a dramaturgia de sua respiração. É um momento potente tanto dramaticamente quanto poético.  O segundo momento é quando, depois de saber que a filha está viva, Olga fica em pé dando-se por conta de que agora tem uma razão para continuar lutando. É um momento de grande performance da atriz. Parabéns ao grupo ArtisticaMente pelo belo e potente trabalho e, vida longa à Olga!

Crédito da foto: Otto Herok

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