Uma boa encenação para a história de Olga Benário Prestes
Cristiano Goldschmidt
Na tarde do último domingo, 8 de dezembro, a Sala Carlos
Carvalho, da Casa de Cultura Mario Quintana, recebeu o espetáculo Olga,
protagonizado pela atriz Edelweiss Ramos e dirigido por Luana Serrão, do grupo ArtisticaMente (Canela).
Integrante do 4º Festival Estadual de Teatro do Rio Grande do Sul (FESTE), Olga
encerrou o evento com um teatro lotado. Antes de sua participação no FESTE, a
montagem percorreu outras cidades, sendo premiada nos festivais de que
participou.
A montagem proposta por Edelweiss dura pouco mais de
quarenta minutos e retrata o período em que Olga Gutmann Benário Prestes esteve
presa nos campos de concentração nazistas, na Alemanha, até o momento de sua
morte, aos 34 anos, em 23 de abril de 1942. Edelweiss empresta seu potencial de
atriz à personagem em um cenário simples, que reproduz, com arame farpado, os
limites de um campo de concentração. Ali, naquele pequeno espaço, caracterizada
com o conhecido pijama de listras verticais usado pelos prisioneiros nos campos
de concentração, ela atua; tem o apoio da iluminação, que contribui para criar
a atmosfera necessária para o clima que se instaura a partir da dramaturgia.
Edelweiss está sentada no chão, separando e juntando farelos de pão. Discursos
nazistas, em alemão, cortam o ambiente. Depois, o barulho da partida e da
chegada dos trens que transportavam os prisioneiros.
Embora em dois momentos Edelweiss tenha derrapado no texto,
ela está inteira na cena. Sua atuação nos faz pensar nas dificuldades
encontradas por atores e atrizes que optam pelos monólogos, muitas vezes
escorregando em erros que comprometem o resultado de seus trabalhos. Diria até
que o maior dos erros é a opção pelo espetáculo solo mais pela necessidade de alimentar
o ego do que pela vocação artística. O que não me parece ser o caso de
Edelweiss, uma atriz que busca o aperfeiçoamento, tendo inclusive participado de
residência artística com Eugênio Barba e Julia Varley (respectivamente, diretor
e atriz do Odin Teatret, da Dinamarca).
Em clima de comoção, a Olga de Edelweiss interage com o público,
a quem pergunta: “Vocês sabem o que é nazismo?”. No texto, a ideia de que Olga
lutou pelo justo e pelo melhor do mundo. Boa parte da história de Olga está em
cena, inclusive a separação de sua filha, Anita, quando esta só tinha um ano de
vida, o que a levou a perder a vontade de falar e de se movimentar. Embora
Anita não tenha sido morta pelos nazistas – foi criada pela avó paterna,
Leocádia, mãe de Luís Carlos Prestes –, para o público que desconhece a história
de Olga e de Prestes, não fica claro na montagem de Edelweiss como a menina
Anita veio parar no Brasil, fato que só ocorreu graças a uma intensa campanha mundial
de solidariedade (sugiro a leitura da biografia de Olga, escrita por Fernando
Morais). Para além das questões antissemitas, a pergunta que fica é: até quando
tiranos vão ficar no comando matando seus opositores? Lembrando que a tirania
dos governantes encontra muitas formas de matá-los.
Quando a morte não chegava pelo fuzilamento ou pelas câmaras
de gás, Edelweiss mostra no palco a intenção dos nazistas de enlouquecerem os
prisioneiros e as prisioneiras com todo tipo de tortura. Quando foi transferida
para o campo de concentração de Ravensbrück, um lugar que cheirava a fezes e a urina,
como deveriam ser todos os outros locais iguais a este, Olga ficou responsável
pelo bloco, onde impôs uma mudança na rotina das prisioneiras, demonstrando sua
capacidade de liderança, não sucumbindo ao drama, permanecendo firme e forte: “Enquanto
estiver aqui, nenhuma de vocês será denunciada à SS. Vão aprender a se proteger
e vão tomar banhos diários”. Olga tentava fazer as mulheres sobreviverem,
porque para muitas a morte era a solução, o fim de um martírio. Os nazistas
tentavam tirar a dignidade dos(as) prisioneiros(as) até na hora da morte. A
rotina nos campos era acordar, trabalhar (trabalhos pesados e forçados), tomar
sopa e dormir.
Outro fato apresentado pela Olga de Edelweiss foram os
terríveis experimentos feitos pelos médicos nazistas, mais especificamente por
um grupo de médicos ortopedistas (eram diversas as especialidades médicas
usadas pelos nazistas para cometerem suas atrocidades), que davam injeções nas
coxas das mulheres, após as quais feridas se formavam, deixando-as em estado de
enfermidade extrema, o que levava à eliminação das vítimas. Transplantes diversos
eram feitos. Pernas eram arrancadas, clavículas transplantadas. As
monstruosidades não chegavam nunca ao seu limite.
Quando uma nova sala, grande e branca, foi apresentada às
prisioneiras, pensaram que era uma sala de banho. Estavam enganadas. Era a
câmara de gás. Várias mortes de uma só vez. Todos os dias, centenas, milhares
de prisioneiros e prisioneiras eram levados(as) ao meio do campo, seus nomes
eram ditos em ordem alfabética num alto-falante. Tinham trinta minutos antes da
partida. Trinta minutos para escrever uma última carta, porque sabiam que
chegara a hora de sua morte: “Querido Carlos, preciso despedir-me agora porque vou
precisar de toda a minha força e minha coragem. Por isso me despeço agora.
Amo-os a ambos, tanto, tanto. Beijos, Olga. Minha filha, cuide de seu pai e obedeça
sua vó. Seja livre”.
A cena final mostra Olga morrendo asfixiada na câmara de gás
e resume o potencial da atriz e do espetáculo. Pela sua intensidade em cena,
pela história de Olga Benário Prestes, pela força emotiva e pela reflexão que o
espetáculo provoca, e para que histórias como a dela não se repitam, desejo
vida longa a Olga. Que ganhe os palcos de outros teatros.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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