terça-feira, 10 de dezembro de 2019


A Morte de Danton é um espetáculo que não transcende, não acontece e não comunica

Cristiano Goldschmidt


O Grupo Coadjuvantes, de Charqueadas (RS), apresentou, na noite da última sexta-feira, 6 de dezembro, dentro do Festival Estadual de Teatro do Rio Grande do Sul (FESTE), o espetáculo A Morte de Danton (direção de Eduardo Arruda) - uma adaptação homônima do drama histórico do escritor e dramaturgo alemão Georg Büchner (Alemanha, 1813 – Suíça, 1837). 

Escrito em 1835, este é o primeiro texto dramatúrgico do autor, além de ser considerado o primeiro drama realista alemão. A Morte de Danton leva ao palco o conflito entre as duas principais lideranças da Revolução Francesa: Georges Danton (Eduardo Arruda) e Maximilien Robespierre (Pablo Bertol). A montagem se propõe a apresentar ao público a angústia antecedente à execução do Revolucionário e de seus correligionários, ocorridas em 1794.

Segundo a sinopse da peça, a poética presente no espetáculo evoca as relações políticas e sociais contemporâneas, convidando o público a refletir sobre a vida e o mundo que nos cerca. Essa intenção do grupo, no entanto, não se concretiza. Em nenhum momento, o espetáculo consegue evocar essas relações políticas e sociais contemporâneas. Se há tentativas, elas falham, e não por falta de oportunidades. Por exemplo: há um discurso de Robespierre (aliás, um dos grandes momentos de Pablo Bertol em cena) que poderia ter sido aproveitado para essa prometida evocação, mas faltou adaptação dramatúrgica e direção para que o ator pudesse fazê-lo. Considerando nosso atual momento político, faltou essa associação, faltou o público se reconhecer nessas personagens, faltou possibilidade de identificação com essa situação política e social contemporânea prometida pelo grupo. 

O que também fica evidente é que, para conceber o espetáculo, o grupo gaúcho buscou referências estéticas em montagens do Grupo Galpão, de Belo Horizonte. Percebe-se, no entanto, que ali há mais do que uma inspiração: o que vemos no palco é quase que uma cópia da estética e da concepção do grupo mineiro. Para quem assistiu ao espetáculo Romeu e Julieta, montado pelo Galpão, salta aos olhos a semelhança daquilo que nos é entregue pelo Grupo Coadjuvantes em A Morte de Danton: a linguagem do teatro de feira, do teatro popular, do teatro de rua, com a Commedia dell’arte. Nem a semelhança da maquiagem dos dois espetáculos escapa, embora o grupo gaúcho tenha feito algumas adaptações com as cores da bandeira francesa. 

O figurino, assinado por Carmem Arruda e Eduardo Arruda, embora também tenha suas referências no Grupo Galpão, beira o alegórico, está numa linha tênue entre o figurino e a fantasia. Parece que vemos no palco uma ala de uma escola de samba. Sem contar que o uso de músicas populares e de músicas de cultura regional numa obra de dramaturgia clássica também é algo que já foi usado pelo Grupo Galpão. A própria maneira como os atores tocam os instrumentos, os elementos da banda, com o acordeão e o violão, tornam tudo muito igual ao que o Galpão fez em sua montagem de Romeu e Julieta. Pelos potenciais reconhecíveis no grupo, de muita qualidade dos atores e atrizes para cantarem, para tocarem seus instrumentos, além do preparo físico e da disponibilidade corporal, é uma pena que o grupo tenha ido pelo caminho mais fácil da cópia daquilo que a gente já viu nos palcos em outras montagens. 

A impressão que o Grupo Coadjuvantes nos passa é a de que está o tempo todo imitando a estética do Galpão, dando-nos a sensação de que não tem uma identidade própria. Uma coisa é buscarmos inspiração, termos as nossas referências e homenagearmos as nossas referências. Outra coisa é a cópia pura e simplesmente. Para além dessas questões, a direção engessou o elenco. Os atores e as atrizes têm uma partitura física por vezes muito precisa e bem executada, mas não os vejo fazendo isso com a organicidade constante e necessária. Não vejo nenhum problema em o diretor trazer uma movimentação e passar essas partituras para os atores, mas é preciso que estes se apropriem delas e façam como se fosse a sua verdade. E não vemos isso, vemos os atores executando uma partitura imposta a eles. 

Para que o texto possa vir com a emoção necessária para determinada cena, além do domínio do texto, o ator precisa de uma boa direção, e o que vemos em A Morte de Danton é tudo muito morno e muito linear na interpretação dos atores. Parece-nos que não lhes foi concedido espaço para que pudessem criar e explodir em cena, pisar no palco queimando. Ao contrário, parece-nos que sua movimentação é imposta, e não fruto de uma criatividade individual ou coletiva. Um exemplo de uma cena com grande possibilidade de explosão, mas que não acontece, é a cena da Maria Antonieta (Rita Almeida), quando dialoga com um boneco manipulado em sua mão direita. Para além de ser uma imagem de grande impacto visual, é uma cena que praticamente não acontece. Entendo que essa era para ser uma cena com grande teor crítico às relações de poder, inclusive dentro da realeza, mas faltou jogo à atriz, faltou manemolência, soltura e deboche. Enfim, em A Morte de Danton faltou direção no espetáculo como um todo, por isso ele não transcende, não acontece e não comunica. Por isso também, como constatei em diálogos posteriores ao final da peça, o público não se sente afetado e contemplado pelo espetáculo. 

Crédito da foto: Giuliano Bueno

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