A Morte de Danton é um espetáculo que não transcende, não acontece e não comunica
Cristiano Goldschmidt
O Grupo Coadjuvantes, de Charqueadas (RS), apresentou, na
noite da última sexta-feira, 6 de dezembro, dentro do Festival Estadual de
Teatro do Rio Grande do Sul (FESTE), o espetáculo A Morte de Danton (direção de
Eduardo Arruda) - uma adaptação homônima do drama histórico do escritor e
dramaturgo alemão Georg Büchner (Alemanha, 1813 – Suíça, 1837).
Escrito em 1835, este é o primeiro texto dramatúrgico do
autor, além de ser considerado o primeiro drama realista alemão. A Morte de
Danton leva ao palco o conflito entre as duas principais lideranças da
Revolução Francesa: Georges Danton (Eduardo Arruda) e Maximilien Robespierre
(Pablo Bertol). A montagem se propõe a apresentar ao público a angústia
antecedente à execução do Revolucionário e de seus correligionários, ocorridas
em 1794.
Segundo a sinopse da peça, a poética presente no espetáculo
evoca as relações políticas e sociais contemporâneas, convidando o público a
refletir sobre a vida e o mundo que nos cerca. Essa intenção do grupo, no
entanto, não se concretiza. Em nenhum momento, o espetáculo consegue evocar essas
relações políticas e sociais contemporâneas. Se há tentativas, elas falham, e
não por falta de oportunidades. Por exemplo: há um discurso de Robespierre
(aliás, um dos grandes momentos de Pablo Bertol em cena) que poderia ter sido
aproveitado para essa prometida evocação, mas faltou adaptação dramatúrgica e
direção para que o ator pudesse fazê-lo. Considerando nosso atual momento
político, faltou essa associação, faltou o público se reconhecer nessas
personagens, faltou possibilidade de identificação com essa situação política e
social contemporânea prometida pelo grupo.
O que também fica evidente é que, para conceber o
espetáculo, o grupo gaúcho buscou referências estéticas em montagens do Grupo
Galpão, de Belo Horizonte. Percebe-se, no entanto, que ali há mais do que uma
inspiração: o que vemos no palco é quase que uma cópia da estética e da
concepção do grupo mineiro. Para quem assistiu ao espetáculo Romeu e Julieta,
montado pelo Galpão, salta aos olhos a semelhança daquilo que nos é entregue
pelo Grupo Coadjuvantes em A Morte de Danton: a linguagem do teatro de feira,
do teatro popular, do teatro de rua, com a Commedia dell’arte. Nem a semelhança
da maquiagem dos dois espetáculos escapa, embora o grupo gaúcho tenha feito
algumas adaptações com as cores da bandeira francesa.
O figurino, assinado por Carmem Arruda e Eduardo Arruda, embora
também tenha suas referências no Grupo Galpão, beira o alegórico, está numa
linha tênue entre o figurino e a fantasia. Parece que vemos no palco uma ala de
uma escola de samba. Sem contar que o uso de músicas populares e de músicas de
cultura regional numa obra de dramaturgia clássica também é algo que já foi usado
pelo Grupo Galpão. A própria maneira como os atores tocam os instrumentos, os
elementos da banda, com o acordeão e o violão, tornam tudo muito igual ao que o
Galpão fez em sua montagem de Romeu e Julieta. Pelos potenciais reconhecíveis
no grupo, de muita qualidade dos atores e atrizes para cantarem, para tocarem
seus instrumentos, além do preparo físico e da disponibilidade corporal, é uma
pena que o grupo tenha ido pelo caminho mais fácil da cópia daquilo que a gente
já viu nos palcos em outras montagens.
A impressão que o Grupo Coadjuvantes nos passa é a de que está
o tempo todo imitando a estética do Galpão, dando-nos a sensação de que não tem
uma identidade própria. Uma coisa é buscarmos inspiração, termos as nossas
referências e homenagearmos as nossas referências. Outra coisa é a cópia pura e
simplesmente. Para além dessas questões, a direção engessou o elenco. Os atores
e as atrizes têm uma partitura física por vezes muito precisa e bem executada,
mas não os vejo fazendo isso com a organicidade constante e necessária. Não
vejo nenhum problema em o diretor trazer uma movimentação e passar essas
partituras para os atores, mas é preciso que estes se apropriem delas e façam
como se fosse a sua verdade. E não vemos isso, vemos os atores executando uma
partitura imposta a eles.
Para que o texto possa vir com a emoção necessária para
determinada cena, além do domínio do texto, o ator precisa de uma boa direção,
e o que vemos em A Morte de Danton é tudo muito morno e muito linear na
interpretação dos atores. Parece-nos que não lhes foi concedido espaço para que
pudessem criar e explodir em cena, pisar no palco queimando. Ao contrário,
parece-nos que sua movimentação é imposta, e não fruto de uma criatividade
individual ou coletiva. Um exemplo de uma cena com grande possibilidade de
explosão, mas que não acontece, é a cena da Maria Antonieta (Rita Almeida), quando
dialoga com um boneco manipulado em sua mão direita. Para além de ser uma
imagem de grande impacto visual, é uma cena que praticamente não acontece. Entendo
que essa era para ser uma cena com grande teor crítico às relações de poder, inclusive
dentro da realeza, mas faltou jogo à atriz, faltou manemolência, soltura e
deboche. Enfim, em A Morte de Danton faltou direção no espetáculo como um todo,
por isso ele não transcende, não acontece e não comunica. Por isso também, como
constatei em diálogos posteriores ao final da peça, o público não se sente afetado
e contemplado pelo espetáculo.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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