O Pássaro Azul, em busca da felicidade
Camilo de Lélis
A peça simbolista em seis atos do belga Maurice Maeterlinck (1862-1949)
virou uma divertida fábula realizada pelo Coletivo de Teatro A Ta, né ? A
história, se fosse numa linha, se resumiria em: Mytyl e sua irmãzinha Tylyl vão
em busca do Pássaro Azul da felicidade.
O texto de Maeterlinck, escrito em 1908, é recheado de
metáforas e símbolos que espelham, por meio de linguagem artística, os grandes
problemas filosóficos da humanidade. Pobreza, doença e morte são mazelas que
não escolhem idade para grassar. A primeira, decorrente, muitas vezes, de
injustiças sociais, as outras duas nos são impostas ao nascermos. São temas
muito fortes que afligem as crianças, desde bem pequenas, por isso o autor se preocupou
em simbolizá-las. No texto, tudo tem alma e tudo se humaniza para dar conta do
enredo: o pão, o açúcar, o fogo, a água, Noite, Tempo e Luz. Um cão e uma gata
também vêm interferir. Há uma infinidade de códigos esotéricos nesse texto do
maior autor simbolista, por isso, embora sendo uma obra com crianças
protagonizando, não se limita ao público infantil.
O enredo de O Pássaro Azul é uma aventura, um périplo de dois heróis (os
irmãozinhos) em busca de um objeto de poder (o pássaro azul), para salvar a
vida de uma criança muito doente. Os fatos são reais, a miséria em que vivem e
a consciência de que há crianças ricas e outras mais pobres do que eles. Porém
a ficção é onírica, as pessoas e os animais surgem transformados por outros
códigos, na condensação dos sonhos. Uma epopeia vertiginosa leva os personagens
ao passado, em visita aos avós mortos (que são vivos enquanto lembrados em
pensamento), e ao futuro, onde encontram a materialização do Tempo e as
crianças que ainda não nasceram. Um conto de fadas tem a importante função de
simbolizar os temores das crianças para torná-los suportáveis, enquanto elas
não os podem elaborar racionalmente. Crianças, embora não tenham a experiência
real da carência de alimentos, enfermidades, ausência total de um ente querido
falecido, muitas vezes têm angústias em relação a esses fatores. No caso da
peça O Pássaro Azul, o nascimento, a morte e o Tempo são trazidos à cena de
maneira poética.
Na adaptação teatral do Coletivo de Teatro A ta, né?, o
simbolismo da peça original continua funcionando, mas traduzido e utilizado
dentro de uma versão épica, num espetáculo para crianças, no qual o púbico é
convidado a fazer parte da narrativa, inclusive subindo ao palco para
representar alguns personagens. Os atores dividem entre si quase todos os
papeis, por meio de trocas de adereços que caracterizam o papel a ser
representado. Orelhas longas ou curtas para o cão e a gata, saiote e varinha
para a fada etc.
A proposta de adaptação de uma obra tão complexa como O
Pássaro Azul, de Maeterlinck, é louvável. A escolha do estilo “contação de
histórias” prescinde dos cenários elaborados do teatro naturalista e,
utilizando bonecos e objetos manipuláveis, a peça pode ser apresentada em
qualquer espaço, até nos pátios das escolas. O desempenho dos três atores, Letícia Conter, André Barros e
Cláudia Gigante, com excelente motricidade e musicalidade, é o principal fator
de aproximação entre palco e plateia, trazendo ótimas contribuições para o
enredo, além de diversão garantida para quem participa como ator convidado e
para quem assiste a brincadeira.
Acredito que esse trabalho ainda possa crescer bastante, na
medida em que o grupo A ta, né ? reconheça seu estilo comunicativo e divertido
de contar histórias, tornando-se seguro de suas escolhas e aprofundando suas
pesquisas.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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