segunda-feira, 9 de dezembro de 2019


O pássaro que voa dentro de nós

Renato Mendonça


O Coletivo de Teatro A ta, né? levou à cena do 4⁰ FESTE um dos principais textos infantis de Maurice Maeterlinck: O Pássaro Azul. Com fortes elementos simbolistas, a peça propõe uma trama intrincada que descreve a odisseia dos irmãos Mytyl e Tyltyl em busca da ave que batiza o texto. É uma jornada mágica: há fadas, os animais se humanizam, a Luz e a Noite viram pessoas, para viajar no tempo basta bater no chapéu.

Assim como o pássaro azul, a arte de Maurice Maeterlinck (1862-1949) é difícil de capturar. Ao mesmo tempo que o texto apela para conceitos importantes no universo infantil, como a admissão das perdas e os devaneios entre passado, presente e futuro, a peça situa os adultos em um campo onírico, de possibilidades invejáveis como as de reencontrar os avós ou viajar ao futuro para modificar o presente. Assumindo a onipotência infantil, pode-se visitar impensáveis terras, como a da Saudade, a da Fartura, a do Futuro. E as vicissitudes e as recompensas da jornada nos ensinarão que existem pássaros azuis ou cinzas, mas que o fato de ser especial é algo que depende... 

O grupo pelotense A ta, né? responde a esse texto complexo e repleto de símbolos com uma encenação de apelo direto, música ao vivo, aposta no contato estreito com o público, efeitos cômicos que miram a cumplicidade, entradas em cena pelo meio dos espectadores. Há soluções cênicas simples, mas de grande efeito visual (a simulação de um nevoeiro com um pano ondeando pelo palco é um bom exemplo). Prontinho para encarar teatro de sala e de rua indistintamente.

O domínio de cena é tal que às vezes passa do tom. Recursos cômicos como o prosseguir uma ação alheio ao que está em cena se repetem mais do que deveriam. Mas a versatilidade do ótimo trio Letícia Conter, André Barros e Cláudia Gigante garante a diversão das crianças e a admiração dos adultos. E essa frase diz muito sobre O Pássaro Azul: é uma montagem que pousa naturalmente na imaginação de qualquer geração.

No texto de apresentação que se outorgava o Nobel de Literatura de 1941 ao escritor belga, a Academia Sueca afirmava que as obras de Maeterlinck “se distinguem por uma riqueza de imaginação e por uma fantasia poética, que revela, às vezes sob o disfarce de um conto de fadas, uma inspiração profunda, enquanto de maneira misteriosa elas apelam aos sentimentos dos próprios leitores e estimulam sua imaginação”. Disfarces, afinal, são ferramentas características de simbolistas como Maeterlinck. 

Na minha Terra da Saudade restou ao menos uma passagem, em que o personagem de André Barros comenta que para estar junto dos entes queridos já mortos basta que se pense neles. Com a ajuda de Lupi, decifra-se o canto do Pássaro Azul: “O pensamento parece uma coisa à toa / Mas como é que a gente voa quando começa a pensar”.  
 
Crédito da foto: Giuliano Bueno

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