O pássaro que voa dentro de nós
Renato Mendonça
O Coletivo de Teatro A ta, né? levou à cena do 4⁰ FESTE um
dos principais textos infantis de Maurice Maeterlinck: O Pássaro Azul. Com
fortes elementos simbolistas, a peça propõe uma trama intrincada que descreve a
odisseia dos irmãos Mytyl e Tyltyl em busca da ave que batiza o texto. É uma
jornada mágica: há fadas, os animais se humanizam, a Luz e a Noite viram pessoas,
para viajar no tempo basta bater no chapéu.
Assim como o pássaro azul, a arte de Maurice Maeterlinck (1862-1949)
é difícil de capturar. Ao mesmo tempo que o texto apela para conceitos
importantes no universo infantil, como a admissão das perdas e os devaneios
entre passado, presente e futuro, a peça situa os adultos em um campo onírico,
de possibilidades invejáveis como as de reencontrar os avós ou viajar ao futuro
para modificar o presente. Assumindo a onipotência infantil, pode-se visitar impensáveis
terras, como a da Saudade, a da Fartura, a do Futuro. E as vicissitudes e as
recompensas da jornada nos ensinarão que existem pássaros azuis ou cinzas, mas
que o fato de ser especial é algo que depende...
O grupo pelotense A ta, né? responde a esse texto complexo e
repleto de símbolos com uma encenação de apelo direto, música ao vivo, aposta
no contato estreito com o público, efeitos cômicos que miram a cumplicidade,
entradas em cena pelo meio dos espectadores. Há soluções cênicas simples, mas
de grande efeito visual (a simulação de um nevoeiro com um pano ondeando pelo
palco é um bom exemplo). Prontinho para encarar teatro de sala e de rua
indistintamente.
O domínio de cena é tal que às vezes passa do tom. Recursos
cômicos como o prosseguir uma ação alheio ao que está em cena se repetem mais
do que deveriam. Mas a versatilidade do ótimo trio Letícia Conter, André Barros
e Cláudia Gigante garante a diversão das crianças e a admiração dos adultos. E
essa frase diz muito sobre O Pássaro Azul: é uma montagem que pousa
naturalmente na imaginação de qualquer geração.
No texto de apresentação que se outorgava o Nobel de
Literatura de 1941 ao escritor belga, a Academia Sueca afirmava que as obras de
Maeterlinck “se distinguem por uma riqueza de imaginação e por uma fantasia
poética, que revela, às vezes sob o disfarce de um conto de fadas, uma inspiração
profunda, enquanto de maneira misteriosa elas apelam aos sentimentos dos
próprios leitores e estimulam sua imaginação”. Disfarces, afinal, são
ferramentas características de simbolistas como Maeterlinck.
Na minha Terra da Saudade restou ao menos uma passagem, em
que o personagem de André Barros comenta que para estar junto dos entes
queridos já mortos basta que se pense neles. Com a ajuda de Lupi, decifra-se o
canto do Pássaro Azul: “O pensamento parece uma coisa à toa / Mas como é que a
gente voa quando começa a pensar”.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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