A espontaneidade é a protagonista
Renato Mendonça
O 4⁰ FESTE me ofereceu uma inédita experiência na tarde de
quinta-feira: assistir a um espetáculo infantil que contava exclusivamente com crianças
e pré-adolescentes em cena, idades variando entre seis e 15 anos. Vibrei com a
singularidade de A Droga da Obediência, montagem da Companhia Oficina de Teatro
(Santiago), que me exige reajustar o foco do comentário.
O espetáculo, dirigido por Pablo Fernando Damian, deixa
claro que seu elenco ainda está aprendendo os rudimentos do teatro. Há em cena
um despreparo tão compreensível como evidente de interpretação – esquecimentos
do texto, o maldito “onde coloco meus braços”, a fala dada para o fundo do
palco. Mas é impossível não sorrir, cúmplice de gente pequena que enfrenta o
desafio enorme de se apresentar frente a um público. Damian delimita o campo
cênico com fitas grudadas no palco, e a contrarregragem é feita às vistas do
público, decisões acertadas na medida que reforçam o tom de não ilusionismo.
A Droga da Obediência adapta para o palco a obra literária
homônima de Pedro Bandeira. O escritor
paulista repete aquele modelo consagrado em que um grupo de jovens se une para
resolver um mistério, afirmando suas identidades e autonomia, enquanto aprende
a reconhecer talentos e singularidades nos outros. Há exemplos de sobra dessa
vertente – de Harry Potter a Os Detetives do Prédio Azul, das doces Chiquititas
aos atormentados adolescentes do filme de terror IT: a Coisa.
No nosso caso, jovens destemidos (Os Karas) buscam solução para o desaparecimento de colegas do Colégio Elite. Topam com rebuscada trama envolvendo uma organização que testa a tal droga da obediência, e que não hesita mesmo em eliminar suas cobaias humanas. O tom é épico, as cenas em que o elenco se emprega em ações físicas chega a contagiar, mas, como dito acima, as cenas com maior carga de texto perdem o ritmo.
Esse comentário pode servir então para levantar algumas sugestões.
Simplificar é o verbo – trama e falas poderiam ser enxugadas. Se não se pode
exigir técnica vocal dos jovens atores, evite-se trilha superposta às falas. E,
principalmente, seguir reforçando a espontaneidade que o elenco mostrou em
cena. Ao esquecer falas, os atores não se intimidavam e davam um jeito,
exibindo autoridade considerável em cena.
O que se viu no palco ao fim de A Droga da Obediência foi
emblemático. As crianças não marcaram o final da peça, seguiram brincando entre
si, entre risos, perseguições e espontaneidade total. Não poderia haver prova
maior de acerto: o teatro encarado como uma brincadeira. Claro que, mais
adiante, o teatro poderá servir até como uma droga de desobediência, iluminando
caminhos, remoendo conflitos, instaurando o questionamento. Mas, na
quinta-feira à tarde, no palco do Bruno Kiefer, vi como o teatro pode ser o
exercício sem culpa nem vergonha do prazer.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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