O Teatro contra o Big Brother
Carlinhos Santos
Em O Rapto das Cebolinhas, clássico da dramaturgia
brasileira dedicado a crianças e adolescentes, Maria Clara Machado constrói uma
engenhosa trama sobre raptos e investigações, tornando-se uma peça referencial
para mais de uma geração de apreciadores de teatro.
Em A Droga da Obediência, texto do paulista Pedro Bandeira,
há igualmente uma história sobre sequestro, agora de meninos da escola Elite.
Um grupo de alunos resolve investigar os estranhos desaparecimentos de seus colegas
de classe, o que rende uma imbricada sequência de fatos e situações que, no
caso da montagem da Companhia Oficina de Teatro, de Santiago, é interpretada
por uma meninada que está no trânsito entre a infância e a adolescência, com
idades entre seis e 15 anos.
O exercício do teatro entre crianças e adolescentes é um
recurso significativo para muitas frentes: desinibição, senso de coletividade,
potencialização da criatividade e, claro, o despertar de possíveis futuros
atores, dramaturgos, enfim, fôlego novo para uma arte já milenar. E colocar
intérpretes como estes da companhia santiaguense em cena instiga muitos vetores
de interpretação.
É saudável e bonito ver a meninada num esforço de “ser gente
grande em cena”. Mas há uma fragilidade evidente nessa opção, uma vez que estão
distanciados desse universo e não têm vivência ou experiência para tal. Daí, o
risco da caricatura é uma armadilha. Ora eles fluem com tranquilidade, vez em quando
assumem suas fragilidades entre risos nervosos e indicações de “deixas” para os
colegas. E isso, numa possível experiência inaugural desses intérpretes no
palco, tem suas nuances, seus prós e contras.
Feita esta pontuação, é também importante registrar o
esforço da trupe para estar em cena, construir as materialidades das sequências
da história, com os entra e sai de pufes coloridos. Eis, então, uma
possibilidade de olhar para a montagem como uma alegoria multicolorida sobre as
possibilidades da afirmação de identidades, da montagem e desmontagem dos
jeitos de ser no palco ou para além dele.
Espécie de aventura policial que namora como outras
histórias ou séries literárias já antológicas como as da turma d’Os Seis, de
Irani de Castro, A Droga da Obediência alude a uma sinistra articulação para
comandar à exaustão corpos jovens e cheios de vitalidade. Uma metáfora possível
para as diferentes formas de exploração da infância e adolescência em tempos
instáveis no país e no mundo?
Pelo sim, pelo não, é sintomático que a voz que
dá comando às ações negativas e más da trama é adulta e externa à cena. Um big brother
ameaçador, à espreita de ceifar vontades e potências para o jogo, a alegria a
espontaneidade, tentando raptar o futuro de uma geração que, sintomaticamente,
abre a cena com fones de ouvido? Ouvir, falar e planejar o que diante de tantas
incertezas? Afinal, que futuro muitas camadas da população que não frequentam uma
escola chamada Elite têm pela frente? Será que é possível que eles sejam “Os
Karas” um dia? Talvez essa seja uma possível reflexão a se fazer diante da
montagem derivada da Oficininha de Teatro desenvolvida na cidade de origem do
grupo, com direção de Pablo Fernando Damian.
No contexto do FESTE, a presença de crianças no palco é um
dado significativo sobretudo, como já se assinalou no começo do texto, porque
há um despertar para muitas outras primaveras das artes a partir desse
exercício dramatúrgico provavelmente inaugural para a maioria deles. E, assim,
quando conseguirem refutar a droga da obediência, saberão ser protagonistas de
suas próprias escolhas, na construção de um futuro mais estável e de autossuficiência,
mediado pelo protagonismo das muitas aventuras que ainda terão pela frente.
Crédito da foto: Giuliano Bueno
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