segunda-feira, 9 de dezembro de 2019


O Pássaro Azul, em busca da felicidade

Camilo de Lélis

 

A peça simbolista em seis atos do belga Maurice Maeterlinck (1862-1949) virou uma divertida fábula realizada pelo Coletivo de Teatro A Ta, né ? A história, se fosse numa linha, se resumiria em: Mytyl e sua irmãzinha Tylyl vão em busca do Pássaro Azul da felicidade.

O texto de Maeterlinck, escrito em 1908, é recheado de metáforas e símbolos que espelham, por meio de linguagem artística, os grandes problemas filosóficos da humanidade. Pobreza, doença e morte são mazelas que não escolhem idade para grassar. A primeira, decorrente, muitas vezes, de injustiças sociais, as outras duas nos são impostas ao nascermos. São temas muito fortes que afligem as crianças, desde bem pequenas, por isso o autor se preocupou em simbolizá-las. No texto, tudo tem alma e tudo se humaniza para dar conta do enredo: o pão, o açúcar, o fogo, a água, Noite, Tempo e Luz. Um cão e uma gata também vêm interferir. Há uma infinidade de códigos esotéricos nesse texto do maior autor simbolista, por isso, embora sendo uma obra com crianças protagonizando, não se limita ao público infantil.

O enredo de O Pássaro Azul é uma aventura, um périplo de dois heróis (os irmãozinhos) em busca de um objeto de poder (o pássaro azul), para salvar a vida de uma criança muito doente. Os fatos são reais, a miséria em que vivem e a consciência de que há crianças ricas e outras mais pobres do que eles. Porém a ficção é onírica, as pessoas e os animais surgem transformados por outros códigos, na condensação dos sonhos. Uma epopeia vertiginosa leva os personagens ao passado, em visita aos avós mortos (que são vivos enquanto lembrados em pensamento), e ao futuro, onde encontram a materialização do Tempo e as crianças que ainda não nasceram. Um conto de fadas tem a importante função de simbolizar os temores das crianças para torná-los suportáveis, enquanto elas não os podem elaborar racionalmente. Crianças, embora não tenham a experiência real da carência de alimentos, enfermidades, ausência total de um ente querido falecido, muitas vezes têm angústias em relação a esses fatores. No caso da peça O Pássaro Azul, o nascimento, a morte e o Tempo são trazidos à cena de maneira poética.

Na adaptação teatral do Coletivo de Teatro A ta, né?, o simbolismo da peça original continua funcionando, mas traduzido e utilizado dentro de uma versão épica, num espetáculo para crianças, no qual o púbico é convidado a fazer parte da narrativa, inclusive subindo ao palco para representar alguns personagens. Os atores dividem entre si quase todos os papeis, por meio de trocas de adereços que caracterizam o papel a ser representado. Orelhas longas ou curtas para o cão e a gata, saiote e varinha para a fada etc.

A proposta de adaptação de uma obra tão complexa como O Pássaro Azul, de Maeterlinck, é louvável. A escolha do estilo “contação de histórias” prescinde dos cenários elaborados do teatro naturalista e, utilizando bonecos e objetos manipuláveis, a peça pode ser apresentada em qualquer espaço, até nos pátios das escolas. O desempenho dos três atores, Letícia Conter, André Barros e Cláudia Gigante, com excelente motricidade e musicalidade, é o principal fator de aproximação entre palco e plateia, trazendo ótimas contribuições para o enredo, além de diversão garantida para quem participa como ator convidado e para quem assiste a brincadeira.

Acredito que esse trabalho ainda possa crescer bastante, na medida em que o grupo A ta, né ? reconheça seu estilo comunicativo e divertido de contar histórias, tornando-se seguro de suas escolhas e aprofundando suas pesquisas.

Crédito da foto: Giuliano Bueno

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