sábado, 7 de dezembro de 2019


A espontaneidade é a protagonista

Renato Mendonça

 
O 4⁰ FESTE me ofereceu uma inédita experiência na tarde de quinta-feira: assistir a um espetáculo infantil que contava exclusivamente com crianças e pré-adolescentes em cena, idades variando entre seis e 15 anos. Vibrei com a singularidade de A Droga da Obediência, montagem da Companhia Oficina de Teatro (Santiago), que me exige reajustar o foco do comentário.

O espetáculo, dirigido por Pablo Fernando Damian, deixa claro que seu elenco ainda está aprendendo os rudimentos do teatro. Há em cena um despreparo tão compreensível como evidente de interpretação – esquecimentos do texto, o maldito “onde coloco meus braços”, a fala dada para o fundo do palco. Mas é impossível não sorrir, cúmplice de gente pequena que enfrenta o desafio enorme de se apresentar frente a um público. Damian delimita o campo cênico com fitas grudadas no palco, e a contrarregragem é feita às vistas do público, decisões acertadas na medida que reforçam o tom de não ilusionismo.

A Droga da Obediência adapta para o palco a obra literária homônima de Pedro Bandeira.  O escritor paulista repete aquele modelo consagrado em que um grupo de jovens se une para resolver um mistério, afirmando suas identidades e autonomia, enquanto aprende a reconhecer talentos e singularidades nos outros. Há exemplos de sobra dessa vertente – de Harry Potter a Os Detetives do Prédio Azul, das doces Chiquititas aos atormentados adolescentes do filme de terror IT: a Coisa.

No nosso caso, jovens destemidos (Os Karas) buscam solução para o desaparecimento de colegas do Colégio Elite. Topam com rebuscada trama envolvendo uma organização que testa a tal droga da obediência, e que não hesita mesmo em eliminar suas cobaias humanas. O tom é épico, as cenas em que o elenco se emprega em ações físicas chega a contagiar, mas, como dito acima, as cenas com maior carga de texto perdem o ritmo.

Esse comentário pode servir então para levantar algumas sugestões. Simplificar é o verbo – trama e falas poderiam ser enxugadas. Se não se pode exigir técnica vocal dos jovens atores, evite-se trilha superposta às falas. E, principalmente, seguir reforçando a espontaneidade que o elenco mostrou em cena. Ao esquecer falas, os atores não se intimidavam e davam um jeito, exibindo autoridade considerável em cena.

O que se viu no palco ao fim de A Droga da Obediência foi emblemático. As crianças não marcaram o final da peça, seguiram brincando entre si, entre risos, perseguições e espontaneidade total. Não poderia haver prova maior de acerto: o teatro encarado como uma brincadeira. Claro que, mais adiante, o teatro poderá servir até como uma droga de desobediência, iluminando caminhos, remoendo conflitos, instaurando o questionamento. Mas, na quinta-feira à tarde, no palco do Bruno Kiefer, vi como o teatro pode ser o exercício sem culpa nem vergonha do prazer. 

Crédito da foto: Giuliano Bueno

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